O presidente Jair Bolsonaro retomou a escalada de ataques contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Ele criticou o vídeo, divulgado na quarta-feira, em que a Corte desmente ter proibido o governo federal de agir no enfrentamento à pandemia e dado toda a prerrogativa a estados e municípios. O STF enfatizou, na peça, que “uma mentira repetida mil vezes não vira verdade”.
Em resposta, Bolsonaro chamou o vídeo de fake news e destacou que o Supremo “cometeu crime” ao conceder autonomia a governadores e prefeitos para definir medidas restritivas com o objetivo de conter a disseminação do novo coronavírus.
Bolsonaro sustentou que não adiantaria ele tomar nenhuma decisão, porque os gestores estaduais e municipais tinham mais poder que ele. “Fecharam templos religiosos. Fizeram barbaridade. Acobertado, acobertado não, mas autorizado pelo STF. E veio o Supremo no seu canal oficial falar de fake news”, disparou, em conversa com apoiadores na saída do Palácio da Alvorada. “Eu não fechei um botequim no Brasil, porque não adiantava tomar providência, já que prefeitos e governadores tinham mais poder do que eu. E o que alguns fizeram no passado não foi lutar para salvar vidas, não. Foi luta por poder. Tentaram nos derrubar pela economia.”
Ele afirmou aos apoiadores que ia divulgar uma nota sobre o assunto. “Não vai ser para peitar o STF, até porque, eu estou por cima. Eu não vou, eu tenho noção de judô. Eu vou demonstrar”, frisou. “Diz lá que uma mentira contada mil vezes não se torna uma verdade. Isso é verdade. Eles tinham de aplicar para a esquerda. Nós vamos demonstrar tudo o que nós fizemos em meia dúzia de pequenos parágrafos para todo mundo entender, não só na questão financeira.”
De acordo com Bolsonaro, “o total do gasto do endividamento de vocês foi mais de R$ 700 bilhões no ano passado, não só para Saúde, bem como rolagem de dívida de município, antecipação de receita, auxílio emergencial”. “Nós usamos, inclusive, fora esse recurso, a FAB (Força Aérea Brasileira) para transportar material, oxigênio para Manaus. Chegou no dia seguinte. Não houve omissão da nossa parte, quem trata disso não somos nós. Nós tratamos do macro”, justificou.
A nota a que se referiu o presidente foi postada nas redes sociais horas depois. Nela, citou programas do governo, defendeu o tratamento precoce, repetiu que teve poderes tirados pelo STF e apontou que, “em nenhum momento, o governo deixou de respeitar o sagrado direito à liberdade de expressão de todos’ e que “cometem atos antidemocráticos exatamente os que querem, pelo uso da força, calar quem se manifesta”.
O chefe do Executivo destacou, ainda, que, à parte os países produtores de vacina, o Brasil é o que mais investe em imunizantes e o que mais vacinou a população. Na verdade, o que o STF decidiu, no ano passado, foi que União, estados, Distrito Federal e municípios tinham competência concorrente no combate ao vírus.
Numa distorção da determinação da Corte, Bolsonaro provocou briga e crises com governadores e prefeitos que adotaram medidas restritivas, como o distanciamento social. Ele também empurra para gestores responsabilidade sobre o agravamento da crise econômica, por causa dos lockdowns.
Além disso, o mandatário usa a decisão do STF para justificar a inoperância do Executivo na pandemia. Ele mesmo sempre minimizou o impacto do vírus, que já causou a morte de mais de 550 mil brasileiros, e prega o inexistente “tratamento precoce”, com medicamentos cientificamente comprovados como ineficazes contra a doença. Diante dessa postura negacionista, o governo também demorou a comprar vacinas capazes de conter a tragédia. As ações e omissões do Executivo tornaram-se alvo de investigação da CPI da Covid, no Senado.
Beligerante
O cientista político Pedro Célio Borges frisou que o presidente não demonstra disposição para mudar sua política de confrontação. “Bolsonaro está à procura de um discurso alternativo em relação à pandemia, com o avanço da CPI. Ele criou um hiato, mas viu que estava perdendo popularidade e retoma porque é um cálculo objetivando estancar a sangria de apoio”, observou.
Cientista político da Universidade de Brasília, Aninho Irachande destacou que o chefe do Planalto insiste nos ataques para manter a base de eleitores. “Isso alimenta o grupo que o apoia e vive de nutrir uma condição beligerante. O STF tem votado várias matérias para frear o ímpeto dele, mas não vai além para não criar ruptura. O Congresso, também”, ressaltou. “Ele vai continuar, e a Corte contendo os excessos, mas não há perspectiva de algo que possa ser feito para confrontar diretamente. Eles já perceberam que Bolsonaro se alimenta disso.”
Congresso em Foco