As empresas que operam ônibus urbanos calculam ter perdido R$ 25,7 bilhões em receitas por causa da diminuição do número de passageiros em decorrência da Covid-19 desde fevereiro de 2020. Elas pretendem usar esses dados para reforçar a articulação por mudanças legais que garantam, entre outros, repasses de recursos federais ao setor.
Na mira dos empresários está um projeto de lei que repassa R$ 5 bilhões anuais em recursos da União para bancar a gratuidade do transporte dos idosos, que a Constituição já garante desde 1988. Já aprovado no Senado, o texto tramita na Câmara dos Deputados.
Também está em discussão um texto elaborado em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Regional para criar um marco legal que prevê um fundo de financiamento ao setor a ser abastecido com recursos do Tesouro Nacional e outras fontes.
Francisco Christovam, presidente-executivo da NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos), afirma que o setor apresentava dificuldades antes de 2020 e elas foram intensificadas pela Covid-19.
“Por dois anos de pandemia, tivemos determinações de prefeitos, sentenças judiciais [para manter os serviços], tudo o que você pode imaginar”, disse.
Os problemas chegaram ao nível mais crítico em março de 2020 — quando a oferta foi equivalente a 75% do nível pré-pandemia e a demanda, 20%.
O descompasso continua sendo registrado, mesmo com o arrefecimento da Covid. Em fevereiro de 2022, último dado disponível, a oferta correspondeu a 82% do patamar pré-Covid e a demanda, de 67%.
A NTU diz que não é possível ajustar o descasamento por livre iniciativa das empresas (reduzindo linhas ou o número de ônibus, por exemplo). Segundo a entidade, os contratos com o poder concedente (no caso, os municípios) em geral obrigam uma prestação mínima dos serviços mesmo fora dos horários de pico.
A entidade tem discutido com autoridades as mudanças legais pleiteadas e diz que os problemas têm feito as receitas do setor ficarem ao redor de R$ 1 bilhão a menos do que no período anterior à pandemia todos os meses. Em meio aos problemas, 16 empresas entraram em processo de recuperação judicial.
Rafael Pereira, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), afirma que vários estudos realmente apontam uma trajetória de perda sistemática de passageiros há pelo menos 20 anos no Brasil. Segundo ele, isso acaba gerando um círculo vicioso em que a queda de usuários faz aumentar o valor da tarifa — o que expulsa ainda mais passageiros.
“A Covid-19 de fato aprofundou muito isso porque afundou demais a demanda de passageiros. Várias prefeituras tentaram fazer medidas paliativas, o que minimiza a situação, mas de maneira alguma resolve o problema estrutural”, afirma.
Para ele, o problema vai continuar existindo até que seja rediscutido o modelo de financiamento do sistema de transporte público no país. O financiamento da operação via arrecadação de tarifa, diz ele, é inadequado e o restante da sociedade deve colaborar.
A NTU defende um mecanismo nessa direção, em que as prefeituras estabeleçam uma diferença entre a tarifa pública, cobrada da população usuária, e a tarifa de remuneração, que paga as empresas usando os cofres públicos.
A separação já é prevista na Política Nacional de Mobilidade Urbana, criada por uma lei de 2012 (12.587) -mas não é obrigatória. Também está em outro projeto de lei (3278, de 2021), em tramitação no Congresso.
Hoje, apenas oito capitais preveem o mecanismo — como São Paulo, Brasília e Curitiba.
Marcus Quintella, diretor do FGV (Fundação Getulio Vargas) Transportes, afirma que, no mundo todo, as empresas do setor operam com subsídios. Mas defende que os números dos balanços das companhias sejam abertos para que se saiba se os repasses são ou não justos. “O governo precisa calcular devidamente esses dados”, diz.
No Congresso, prefeitos têm reforçado a articulação às vésperas do calendário eleitoral com medo de o desequilíbrio das empresas — reforçado pelo aumento dos combustíveis — forçar um aumento expressivo nas tarifas. Os representantes municipais começaram em fevereiro a pressionar parlamentares por um socorro federal.
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), foi um dos principais nomes dessa articulação, indo a Brasília para diversas reuniões com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Seu correligionário, o senador Giordano (MDB-SP), apresentou então o projeto prevendo repasses federais por três anos para bancar a gratuidade para idosos. A proposta se tornou a grande aposta para segurar os reajustes.
Apesar da oposição da equipe do ministro Paulo Guedes (Economia), senadores aproveitaram o vácuo de liderança do governo no Senado para aprovar de maneira rápida a proposta.
No entanto, mais organizados, os governistas da Câmara dos Deputados conseguiram segurar a proposta, com o auxílio do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Lira tem dito que o projeto tem vícios porque não informa a fonte de custeio. Por isso, aguarda uma solução da equipe legislativa ligada ao Orçamento.
A alegação é rebatida pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM), líder da maior bancada do Senado e que foi relator da proposta.
“A fonte de custeio está lá no projeto, está tudo detalhado”, afirma o senador, lembrando que apontou as receitas com royalties do petróleo como fonte. Lira, no entanto, resiste à ideia dos royalties e o texto segue em discussão.