Embora seja principalmente apontado como um fator de risco para diversos problemas de saúde, cada vez mais estudos buscam entender se o álcool, em doses moderadas, pode ter efeitos positivos para o corpo. Geralmente, essa relação é ligada a melhorias para o coração, porém os trabalhos não são restritos à saúde cardíaca.
Nesta semana, um novo estudo, publicado na revista científica JAMA Network Open, avaliou quase quatro milhões de indivíduos na Coreia do Sul para identificar se o consumo de bebidas alcoólicas poderia impactar a incidência de demência na população – síndrome causada por um conjunto de diagnósticos, como o Alzheimer, que leva a um comprometimento neurocognitivo.
Os pesquisadores, de universidades sul-coreanas e dos Estados Unidos, descobriram não apenas que essa relação existe, mas que pode ser benéfica, ou seja, estar associada a uma redução no risco da doença. A partir do acompanhamento das 3.933.382 pessoas, eles observaram que aquelas que consumiam duas doses de álcool ao dia tiveram 17% menos demência que as que não bebiam. Para os que limitavam a ingestão a apenas uma dose diária, o risco ainda menor – 21%.
No entanto, o trabalho também confirmou os riscos de quantidades mais altas. Entre os indivíduos que bebiam mais de duas doses ao dia, a incidência de casos de demência foi pelo menos 8% maior que entre os que se abstiveram da bebida. No estudo, uma dose foi o equivalente a 15g de álcool, a média presente em uma lata de cerveja, uma taça de vinho ou uma dose de destilado.
“A possível interpretação desse resultado é que o consumo excessivo de álcool é prejudicial à demência, o que pode estar conceitualmente alinhado com uma indicação recente de que o consumo excessivo de álcool (beber mais de 21 unidades de álcool por semana) tenha sido reconhecido como um novo fator de risco modificável para demência nas diretrizes de prevenção de demência de 2020 publicadas pela Comissão da Lancet”, escrevem os autores no estudo.
Durante o acompanhamento, que durou em média 6,3 anos e foi possível por meio do banco de dados do Serviço Nacional de Seguro de Saúde da Coreia, os pesquisadores monitoraram ainda as mudanças no perfil de consumo e o impacto na incidência.
Eles observaram que tanto aqueles que não bebiam, mas passaram a ingerir uma dose diária de álcool, como aqueles que consumiam mais de três doses, e reduziram para apenas duas, tiveram benefícios no final do período. Em ambos os grupos, a incidência de demência foi cerca de 8% menor.
“Neste estudo de coorte de uma população coreana, a diminuição do risco de demência foi associada à manutenção do consumo de álcool leve (1 dose por dia) a moderado (2 doses), redução do consumo de álcool de um nível pesado (mais de 2 doses) para moderado e o início do consumo leve de álcool, sugerindo que o limiar do consumo de álcool para redução do risco de demência é baixo”, resumem os pesquisadores.
Interpretação dos resultados
Embora o estudo esteja alinhado a uma série de outros trabalhos que vêm mostrando os benefícios em doses moderadas de álcool, especialistas explicam que é preciso ter cautela ao interpretar os resultados – uma vez que eles apontam apenas uma associação entre os fatores, e não necessariamente uma relação de causa e efeito.
— Estou sempre ansioso para abraçar qualquer estudo que mostre que o álcool tem efeitos protetores contra algumas doenças, mas ainda não vou. Em pesquisas como esta, há sempre a questão da causalidade versus correlação, e o que eu chamo de efeito da carroça antes do boi. O estudo mostra uma relação entre beber moderadamente e diminuir a demência. (Mas) o consumo moderado de álcool reduz o risco de demência, ou as pessoas com menor probabilidade de desenvolver demência são mais propensas a beber com moderação? — questiona o especialista em saúde pública da Universidade Brock, no Canadá, Dan Malleck, em entrevista ao portal britânico DailyMail.
Além disso, as evidências não são suficientes para, por exemplo, indicar uma ingestão moderada de álcool a pessoas que não bebem como forma de reduzir o risco de demência – uma vez que os benefícios ainda são debatidos, enquanto os riscos para diversos problemas de saúde são consolidados.
— Embora este estudo seja interessante e este tópico mereça um estudo mais aprofundado, ninguém deve beber álcool como método de reduzir o risco de doença de Alzheimer ou outra demência baseada em este estudo. Este é um estudo de associação e não fornece informações sobre as causas. A Associação de Alzheimer continua a monitorar a ciência em constante evolução sobre o risco de demência — disse o diretor de Compromisso Científico da Associação Americana de Alzheimer, Percy Griffin, ao DailyMail.
O Globo