O terceiro e último debate entre os candidatos à Presidência da República antes da votação em primeiro turno, veiculado na noite desta quinta-feira (29) pela TV Globo, foi marcado por fortes embates entre os presidenciáveis presentes, sobretudo no primeiro e no terceiro blocos, em que os temas para a realização das perguntas eram livres de acordo com as regras determinadas pela emissora.
Como já era esperado, os enfrentamentos mais ríspidos se deram entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), mas outros presidenciáveis também participaram de confrontos entre si. Em alguns momentos do debate, a temperatura abaixou e os candidatos passaram a debater propostas de governo.
Lula, em especial, foi alvo de questionamentos a respeito dos escândalos de corrupção em seu governo por quase todos os participantes – somente Simone Tebet (MDB) evitou direcionar esses questionamentos ao petista. A emedebista, no entanto, assim como outros candidatos, pressionou Bolsonaro especialmente quanto ao chamado orçamento secreto. Apesar dos diversos confrontos entre Lula e Bolsonaro, nenhum dos dois fez pergunta direta ao outro – os embates ocorreram em perguntas e respostas a outros candidatos e, principalmente, por meio de uma série de direitos de respostas concedidos.
Debate inicia com forte embate entre Lula e Bolsonaro
A primeira pergunta do primeiro bloco foi feita por Ciro Gomes (PDT) a Lula. O pedetista questionou números econômicos durante os governos petistas. Lula defendeu-se apresentando números sobre desemprego, benefícios a pessoas em pobreza, programas sociais e reforma agrária. Ciro rebateu dizendo que se afastou do governo petista devido a “contradições graves” econômicas e morais. O candidato também questionou os números mostrados por Lula. Por fim, o petista questionou a saída de Ciro em seu governo e voltou a defender que fez a “maior política de inclusão social da história do país”.
Na sequência, padre Kelmon (PTB) selecionou Bolsonaro para indagá-lo sobre eventual manutenção do Auxílio Brasil. Bolsonaro, na resposta, confirmou que o programa de renda seria mantido “com responsabilidade fiscal”, como já havia feito em outras oportunidades. O atual presidente também citou o aumento do benefício, na comparação com o programa de renda das gestões petistas, quando ainda era denominado Bolsa Família.
Padre Kelmon aproveitou para fazer críticas a políticas de esquerda. “Estamos procurando cada vez mais colocar isso como informação para que as pessoas tenham confiança de que nessa eleição precisam escolher homens de direita”.
Bolsonaro, na tréplica, disse que Lula foi o “chefe de uma grande quadrilha”. “Nós não podemos continuar no país da roubalheira. O governo que nos antecedeu não tinha qualquer compromisso, qualquer respeito com a família brasileira”. Disse, ainda, que o governo petista apoia a ideologia de gênero e a legalização das drogas.
Bolsonaro disse, ainda, que durante seu governo “acabou com a mamata, em especial da grande mídia”.
Lula obteve direito de resposta devido à fala anterior de Bolsonaro. O ex-presidente defendeu-se apontando denúncias de corrupção relacionadas a membros de seu governo. Bolsonaro também obteve direito de resposta e voltou a chamar Lula de “ex-presidiário”, como havia feito no debate anterior, no SBT.
Lula obteve novo direito de resposta e disse que, caso eleito, faria decreto para acabar com sigilos determinados durante o governo Bolsonaro.
Na sequência, Felipe d’Ávila (Novo) pediu a Ciro Gomes comentar os escândalos de corrupção da era petista. Ciro aproveitou para dizer que após os governos petistas houve a pior crise econômica da história. Disse também que a corrupção se generalizou durante o período. “R$ 16 bilhões foram devolvidos. De onde veio essa montanha de dinheiro? Quando devolviam, diziam: ‘roubei no governo do PT com o conhecimento do Lula’. Muitos depoimentos disseram isso”.
Na sequência, Bolsonaro questionou Simone Tebet a respeito de declaração de sua vice, a senadora Mara Gabrilli (PSDB), a respeito da suposta participação do ex-presidente na morte de Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André, assassinado em 2002. Simone declarou que confia em sua vice, mas lamentou que a questão tenha sido trazida durante o debate, disse que achava isso uma “covardia” e pediu que fossem tratados temas sobre projetos de governo.
Na réplica, Bolsonaro abordou as ações do governo no atendimento à população vulnerável durante a pandemia. A emedebista criticou, na tréplica, que as acusações entre os candidatos estejam à frente do debate de ideias. Simone também fez acusações a Bolsonaro quanto à gestão do governo durante a pandemia.
Lula pediu direito de resposta quanto à acusação envolvendo Celso Daniel. O petista negou as acusações e disse que Celso Daniel era seu amigo. “A Polícia Civil deu por encerrado. O Ministério Público deu por encerrado, decidiram que é um crime comum”.
Em seguida, a presidenciável Soraya Thronicke (União Brasil) foi questionada por Lula sobre propostas para acabar com a fome. A candidata citou que o imposto único federal, principal proposta de sua campanha, contribuiria para reduzir impostos e melhorar as condições dos mais pobres. Soraya também fez críticas a escândalos de corrupção durante o governo de Lula. O ex-presidente mencionou leis aprovadas durante seu governo que tratam do combate à corrupção.
Nesse bloco, Bolsonaro ainda teve direito a outro direito de resposta e questionou acusações de Lula sobre decretações de sigilo e atraso de vacinas. “Tu foi condenado em três instâncias por unanimidade. E o processo deixou de existir porque tinha um amiguinho no STF que disse que você tinha que ser julgado em Brasília e não em Curitiba”, afirmou o atual presidente.
Soraya perguntou a padre Kelmon sobre alegados erros do governo Bolsonaro durante a pandemia. Em resposta, o candidato questionou itens do programa de governo da presidenciável do União Brasil. Soraya, na sequência, acusou padre Kelmon de ser cabo eleitoral de Jair Bolsonaro.
A última pergunta do primeiro bloco foi feita por Simone Tebet a Felipe d’Ávila a respeito de propostas sobre política de saúde política. O candidato do Novo falou sobre a importância na digitalização dos prontuários no Sistema Único de Saúde (SUS), em especial no atendimento à saúde primária. Na réplica, Simone mencionou propostas para cumprir a promessa de zerar as filas do SUS em seu eventual governo. Felipe d’Ávila, por fim, mencionou a parceria com o setor privado para avançar na saúde pública como proposta em seu eventual governo.
Meio ambiente, agronegócio e educação são debatidos no segundo bloco
No início do segundo bloco, em que havia temas sorteados para as perguntas, o candidato do Novo questionou novamente Lula sobre denúncias de corrupção. O ex-presidente evitou responder diretamente e passou a discursar sobre cotas raciais, que era o tema previamente selecionado para a pergunta. O ex-presidente aproveitou a ocasião para defender suas bandeiras de combate à pobreza.
Em seguida, Bolsonaro foi questionado por Simone Tebet sobre políticas relacionadas a mudanças climáticas. A candidata também acusou o atual governo de ser responsável pelo maior desmatamento em 15 anos.
Bolsonaro defendeu-se dizendo que o Brasil é exemplo para o mundo em preservação ambiental e que o país é, dentre as principais economias do mundo, o que menos emite gases do efeito estufa. Disse, ainda, que colocou as Forças Armadas para combater incêndios e que há uma “briga de narrativas” na temática do meio ambiente relacionado ao agronegócio. Sobre o agronegócio, o atual presidente defendeu feitos do seu governo, em especial quanto à titulação de terras e a negociação com Vladimir Putin, presidente da Rússia, para manter a exportação de fertilizantes ao Brasil após o início da guerra na Ucrânia.
Na temática da educação, Padre Kelmon perguntou para Ciro Gomes sobre propostas para incluir mais pessoas pobres no ensino superior. O pedetista respondeu dizendo que propõe transformar a educação pública brasileira em todos os níveis em uma das dez melhores do mundo em 15 anos.
Na sequência, Soraya Thronicke, após fazer acusações ao governo Bolsonaro, perguntou a Padre Kelmon sobre o combate ao racismo. O sacerdote disse que todas as raças são irmãs e que não aceita políticas que criem divisões. Disse que na esquerda há retórica política para usar o combate ao racismo para dividir a sociedade.
A pergunta do tema seguinte, relações com o Congresso Federal, foi feita por Jair Bolsonaro a Felipe d’Ávila. O presidente perguntou sobre a visão do candidato sobre loteamento de cargos em troca de apoio do parlamento. O presidenciável do Novo questionou o chamado “orçamento secreto” presente no governo Bolsonaro.
Adotado em 2020 pelo Congresso Nacional, o “orçamento secreto ou paralelo” é como ficaram conhecidas as emendas de relator (identificadas pelo código RP-9) no Orçamento Federal, que destinam uma fatia dos recursos públicos da União para livre execução de deputados e senadores em obras e melhorias em seus redutos eleitorais. Não há ingerência do poder Executivo na destinação desses recursos. O projeto de lei orçamentária de 2023 reserva R$ 19,4 bilhões para as emendas de relator.
Ao responder, Bolsonaro negou que o orçamento secreto seja de sua responsabilidade. “Eu não indico um só centavo nesse dito orçamento secreto. Ele é totalmente administrado pelo relator, ou da Câmara ou do Senado. Não existe da minha parte qualquer conivência com esse orçamento”.
A pergunta feita na sequência, sobre meio ambiente, foi feita por Lula a Simone Tebet. O petista aproveitou para atacar o governo Bolsonaro em relação a políticas sobre mudanças climáticas. Em resposta, a emedebista disse que em seu governo haveria desmatamento ilegal zero, fortalecimento dos órgãos de fiscalização e que haveria “meio ambiente e agronegócio, natureza e desenvolvimento”.
Ciro Gomes, ao perguntar sobre a criação de empregos, falou sobre seus programas de governo, de renda, de renegociação de dívidas e de empregabilidade. Soraya, ao responder, argumentou que sua proposta do imposto único federal teria o “condão de ajudar na criação de empregos”.
Novos embates no terceiro bloco
No terceiro bloco, de tema livre, houve novos episódios de embates ríspidos entre os candidatos, com destaque a Lula e padre Kelmon. O candidato do PTB questionou Lula sobre declarações de ex-integrantes do seu governo, em delações, sobre escândalos de corrupção. O ex-presidente voltou a dizer que foi absolvido em 26 processos dentro do Brasil e pela Suprema Corte – o que já foi desmentido pela Gazeta do Povo. As falas foram seguidas de um intenso bate-boca entre os candidatos, que fez com que o debate fosse paralisado pela produção do programa.
Na primeira pergunta, Bolsonaro perguntou a d’Ávila sobre os impactos de um governo de esquerda voltar ao poder. “Seria um desastre. A esquerda voltar ao poder nós já sabemos. É mais Estado intervindo na economia, prejudicando o mercado, separando o Brasil das cadeias globais de valor. Ou seja, é tudo o que nós não queremos. Nós precisamos avançar com a agenda liberal”, disse o candidato do Novo.
Felipe d’Ávila também mencionou a importância do avanço das reforma tributária e trabalhista para beneficiar a economia do país e gerar mais empregos.
Na réplica, Bolsonaro mencionou feitos do seu governo na área econômica, como redução de 35% do IPI para quatro mil produtos e redução de impostos federais nos combustíveis. Bolsonaro prometeu ainda que, no início de eventual novo mandato, a reforma tributária seria aprovada no Congresso.
À frente, Felipe d’Ávila falou sobre privatizações com Simone Tebet. A presidenciável disse que, caso eleita, seu governo seria parceiro da iniciativa privada. Sobre privatizações disse que “aquilo que é bom tem que ficar na mão do Estado se essa for a responsabilidade dele (…). Tem algumas estatais que são da essência do serviço público e nós temos que aproveitá-las”.
Ciro Gomes, em seguida, perguntou a Bolsonaro sobre esquemas de “corrupção generalizada” em seu governo. O atual presidente negou que existam casos de corrupção e passou a destacar feitos do seu governo na área econômica.
No questionamento seguinte, Lula perguntou a Ciro Gomes sobre propostas de políticas públicas para a cultura. O pedetista, em resposta, se comprometeu a recriar o Ministério da Cultura e a rever as leis de fomento, sendo a principal delas a Lei Rouanet.
Ao comentar sobre educação, Simone Tebet reforçou sua promessa de dar R$ 5 mil para todos os alunos que concluírem o ensino médio. Comprometeu-se ainda com ensino médico técnico em período integral e a levar internet para todas as escolas públicas.
Em direito de resposta ao final do terceiro bloco, Bolsonaro voltou a dizer que o Executivo não tem gerência sobre o orçamento secreto. “Vocês têm a chance agora, por ocasião da votação do orçamento normal, de tirar esses R$ 19 bilhões do orçamento secreto e suprir as demais áreas”, afirmou, em direção a Simone Tebet e Soraya Thronicke, que são senadores.
Saúde pública, habitação e cultura: temas abordados no último bloco
No bloco final, de temas pré-definidos, Soraya Thronicke usou o tema sorteado, de segurança pública, para perguntar a Bolsonaro sobre sua aceitação ou não ao resultado das eleições. Bolsonaro rebateu dizendo que a candidata do União Brasil havia pedido cargos em seu governo. Na réplica, Soraya também perguntou a Bolsonaro se ele havia se vacinado – na resposta, o atual presidente defendeu sua gestão de compra de vacinas durante a pandemia.
Simone Tebet aproveitou sua pergunta sobre o tema de gastos públicos para questionar Lula sobre desperdício de dinheiro público, desvios e corrupção. O petista respondeu mencionando índices econômicos de seu governo. Após perguntas de Simone Tebet sobre privatizações, Lula se comprometeu a fortalecer estatais em seu eventual governo.
Na sequência, Bolsonaro foi sorteado para perguntar sobre política cultural. O atual presidente fez críticas ao funcionamento da Lei Rouanet durante governos petistas. Padre Kelmon argumentou que em outros governos, a cultura foi banalizada. “No meu governo, se eu for eleito, faremos a cultura o meio para que as pessoas de fato façam o Brasil lá fora ser valorizado e respeitado mais ainda”. Afirmou, também, que dedicaria recursos de políticas culturais apenas para pequenos artistas.
Ciro Gomes perguntou a Soraya Thronicke se ela privatizaria a Petrobras caso eleita. A candidata do União Brasil aproveitou para alfinetar o governo federal alegando poucas privatizações e propostas liberais.
Felipe d’Ávila perguntou a Simone Tebet sobre como melhorar a coordenação do SUS, encabeçada pelo governo federal, com estados e municípios. A candidata do MDB mencionou a necessidade de aumentar recursos e tecnologia para a saúde pública, atualizar a tabela SUS e aumentar a atenção a idosos e pessoas com deficiência.
Padre Kelmon, ao perguntar para Felipe d’Ávila sobre habitação, aproveitou para valorizar o programa Casa Verde e Amarelo, do governo Bolsonaro, dizendo que “oferece moradia com dignidade”. Apontou, ainda, que ampliaria o programa, caso eleito. O presidenciável do Novo mencionou ações de regularização fundiária de um prefeito de seu partido como exemplo de descentralização de Brasília voltada a políticas de habitação.
A última pergunta do debate foi feita por Lula a Ciro Gomes com a temática da agricultura. O petista questionou Ciro sobre o aumento do desmatamento ilegal para aumentar a produção agrícola, ao que o pedetista respondeu que deve ser reprimido “com toda a dureza”. Ciro retomou sua proposta de zoneamento econômico ecológico, para determinar quais locais da Amazônia podem ser desmatados e quais não podem.