A guerra entre Rússia e Ucrânia elevou ainda mais as cotações do petróleo no mercado internacional, aumentando a pressão sobre governos para conter o impacto nos preços dos combustíveis. As medidas — a maior parte adotada antes da eclosão do conflito — vão de cortes de impostos e descontos nas contas de luz a subsídios para distribuidoras e consumidores.
No Brasil, as discussões tendem a crescer nesta semana, com a possibilidade de votação de dois projetos para conter a alta da gasolina, do diesel e do gás. Para especialistas, porém, há risco de se criar uma má solução, tendo em vista o calor dos acontecimentos e o fato de 2022 ser um ano eleitoral, o que eleva a pressão por resultados de curto prazo.
No último domingo (06), o barril de petróleo encostou em US$ 140, após notícia de que EUA e União Europeia estudam embargo ao óleo russo. O valor representa um salto em relação a março de 2020, quando a pandemia derrubou a demanda e a commodity era negociada na faixa dos US$ 20 o barril, o menor nível em quase duas décadas.
Com a retomada da economia mundial em 2021, a demanda voltou a crescer e não foi acompanhada pela oferta, o que já pressionava os preços.
Diante desse cenário, alguns países adotaram medidas para minimizar o impacto para a população. No Japão, por exemplo, o governo decidiu, em janeiro, conceder temporariamente um subsídio de 3,4 ienes por litro a distribuidoras de combustíveis toda vez que o preço da gasolina ultrapassar determinado patamar. Em Portugal, o subsídio é direto ao cidadão, limitado € 5 por mês.
— Há movimentos para redução de preços em vários países, que tendem a ganhar mais força com a guerra. As medidas adotadas são temporárias e não significam abandono da política de preços— diz Alexandre Szklo, professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe.
No Brasil, há dois projetos em tramitação no Congresso, ambos relatados pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN), que visam a reduzir o preço dos combustíveis. O que mais preocupa especialistas é o PL 1.472, que cria uma conta de estabilização e critérios para definição dos preços: cotações médias do mercado internacional, custo internos de produção e de importação.
Risco de retrocesso
Este último ponto, que tem passado despercebido em muitos debates, é apontado como uma intervenção no mercado por analistas do setor, o que afastaria o Brasil do grupo de países que têm uma política de preço livre, como EUA, nações europeias como Reino Unido e França, e emergentes como Peru e Chile.
— A Lei do Petróleo diz que o preço é livre na refinaria, na distribuidora e na revenda. Ao estabelecer critérios para definição do preço subentende-se a criação de uma fórmula. É um retrocesso. O maior risco neste momento é o de se aprovar uma solução ruim, pois os políticos estão sob pressão — diz Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura.
Para Felipe Feres, presidente da Comissão de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis da OAB/RJ, o PL introduz o controle de preços, o que seria inconstitucional:
— A constituição diz que somos economia de mercado.
No mesmo PL 1.472, há a proposta de uma conta estabilização, espécie de fundo cujos recursos seriam usados para evitar subidas nos preços em casos de flutuações na cotação do petróleo. O ponto mais polêmico do PL era a criação de um imposto sobre a exportação de petróleo bruto, que custearia esse fundo. Mas o senador Prates já concordou em excluir o trecho do seu relatório.
Desoneração temporária
Países como Chile e Peru, que importam muito petróleo, adotam esse mecanismo para suavizar oscilações abruptas. O Brasil exporta petróleo, mas importa diesel e gasolina, Por isso, alguns analistas defendem o projeto. O problema é como financiar a conta.
Pelo PL, ela seria sustentada por dividendos da Petrobras distribuídos à União, bônus de assinatura arrecadados nos leilões de petróleo, assim como royalties e participações especiais (PEs). Pires avalia que, se o texto for mantido, seria necessário alterar a Constituição, pois mudaria as regras de destinação dos royalties e PEs.
Os especialistas lembram que três fatores influenciam os preços de gasolina e diesel: o preço do petróleo, os tributos e as margens das empresas. Em economias de mercado, resta aos governos mexer na tributação. É o que pretende o PLP 11, que muda o cálculo do ICMS sobre os combustíveis.
Na avaliação de Giovanni Loss, sócio do Mattos Filho para a área de petróleo e gás, a tendência é os países desonerarem os combustíveis, reduzindo o impacto na inflação:
—Se o fizerem, isso deve ser feito de forma temporária. E sem contrapartida de tributação sobre parte da cadeia ou outro setor. Um novo tributo espantaria investidores.
Foi o que fez a Bélgica, por exemplo, que reduziu o imposto sobre o valor agregado da energia de 21% para 6% entre março e julho. A Tailândia também diminuiu o imposto sobre o diesel por três meses.
No caso do Brasil, a mudança no ICMS não é uma mudança temporária de taxas. É uma mudança na forma como tributar os combustíveis, o que deve reduzir a arrecadação dos governos estaduais, tornando sua aprovação mais complexa.
Para Alexandre Szklo, da Coppe, os dois projetos relatados pelo senador Jean Paul Prates não resolvem a questão dos preços dos combustíveis porque não atacam questões estruturais que contribuem para a alta dos preços.
De um lado, diz, o Brasil é dependente do modal rodoviário e tem uma frota de caminhões velha e pouco eficiente, que consome muito diesel. Como o país importa 25% do diesel que consome e não há perspectiva de investimento em expansão do refino, a pressão sobre o preço vai continuar, pois há uma dependência da importação.
– Temos a maior proporção de caminhões autônomos entre os países continentais. São veículos com média de idade de 12 anos, pouco eficientes no consumo de combustível. E nossa malha rodoviária é precária, levando-os a consumir ainda mais do que consumiriam se as estradas fossem de qualidade – afirma Szklo.
Do outro lado, diz, unificar o ICMS dos combustíveis é um movimento que deveria estar dentro de um quadro mais amplo de reforma tributária, pois é um imposto que não incide apenas no setor de petróleo e gás.
As diferentes políticas de preços
EUA
O governo mantém estoques de combustíveis ou exige que as empresas o façam. A Reserva Estratégica de Petróleo é usada em caso de choque inesperado no preço.
México
Desde 2017, preços de combustíveis refletem a cotação no mercado internacional, câmbio e custos logísticos de transporte de derivados. Há flutuação livre de preço.
Chile
Há dois fundos de estabilização. Quando o valor do petróleo sobe, as receitas desses fundos são usadas para baixar preços de gasolina e diesel. Em 2104, entrou em vigor um mecanismo de tributação de combustível que suaviza a volatilidade de preços via ajuste semanal de um componente variável do imposto.
Emirados Árabes
Desde 2015, o preço do combustível é definido mensalmente por um comitê de autoridades, a partir de preços internacionais.
Argentina
O mercado de combustíveis não é regulado, mas é administrado pelo governo implicitamente via a estatal YPF, responsável por 55% dos embarques de gasolina e diesel.
Peru
Há imposto regulatório e fundo de subsídios. Quando o petróleo cai abaixo de determinado o nível, o preço dos combustíveis é elevado. Os recursos arrecadados formam uma reserva, usada para baixar o preço quando o petróleo sobe.